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domingo, 21 de novembro de 2010

Arte de montar governo com palavras cruzadas

Por Wilson Figueiredo - Jornal do Brasil

Com um mês e pouco ao seu dispor, o presidente Lula procurou ser menos Lula do que na campanha eleitoral, e deu o peteleco na armadilha ministerial montada pelo PMDB & mais quatro, a título de oposição amiga: “Parecia que ia acontecer, mas não aconteceu”.
Valeu como atestado de óbito.

O blocão do PMDB reúne nominalmente 202 deputados, mas ainda está longe de somar a metade do rebanho da Câmara, e mais um voto, dos 513 deputados, para dispor de maioria absoluta e botar o PT de joelhos. Os cálculos ainda refletem devaneios ociosos, e a realidade, que dirá a última palavra, não disse nem a primeira. Lula está avaliando como não ficar para trás dos acontecimentos, nem se habilitar mediante reserva de mercado para 2014. Seria fazer pouco dos cidadãos.

Se ficar para trás, Lula expõe-se ao risco de colidir com as definições da sucessora, que já abateu um bom pedaço do seu débito com Lula ao perfilhar a indicação do seu ministro da Fazenda como retribuição pública e, tanto quanto possível, sem compromisso de continuísmo.

Se Dilma Rousseff e Luiz Inácio não se mantiverem juntos, a distância entre eles – que já não é a da campanha – tende a aumentar e, a partir de algum ponto, polarizar diferenças que também acabarão inconciliáveis. Não é demais, olhando pelo retrovisor, considerar que as duas candidaturas não chegarão juntas a 2014. Uma ficará pelo caminho. Ambas, por sinal, dividem os riscos de estarem à disposição dos interessados em eliminá-las pelas diferentes razões que dão à democracia o encanto de um jogo.

Lula é candidato sem alternativa. Mesmo a candidatura de Dilma Rousseff à reeleição depende do imponderável (no caso, do governo que fizer). E, se não acertar com o tom adequado, terá de se contentar com um mandato. À oposição, o que sobrar.

Se Lula, já ex-presidente, quiser exercer a tutela política como fez com a candidata até aqui, terá de considerar que o eleitor se deixa levar pelas pesquisas eleitorais, mas o cidadão mantém um pé atrás em relação aos governantes. Não existe a possibilidade de exercer mandato presidencial por telefone celular. Tem de ser na primeira pessoa do singular ou na primeira do plural. Ou não será presidencialismo.

No primeiro mandato Lula não conseguiu nem arrematar seu ministério e, se não fosse José Dirceu, não teria fechado a negociação com a arraia miúda parlamentar. No segundo, dispensou o mensalão e ficou com as consequências residuais. O Lula que sai não é mais o que entrou, mas não se sabe qual dos dois é melhor. O outro será automaticamente o pior.

Nos últimos dias do governo Lula, a presidente Dilma Rousseff está aproveitando as oportunidades de dizer a que veio e, principalmente, a que não veio. Monologando em voz alta, dá a entender a Lula que era uma e agora, depois de eleita, é outra para ficar à altura das responsabilidades que compõem a sua circunstância. Não quer ouvir falar de porteira fechada e de ministério promíscuo.
Na hora de montar governos não há formulas, mas circunstâncias clareadas pelo bom-senso, que às vezes atrapalha. Uma das questões é saber de que modo processar as demissões para preencher as vagas com nomeações por outra ordem de argumentos.

Dilma começou bem e, ao se recusar a fazer palavras cruzadas com ministérios e garantir reserva de mercado ao continuísmo, evitará que seu governo venha a parecer a sombra do que a precedeu. Apontou a porta de saída à mal vestida ideia de cotas fixas como base das definições que a deixariam de mãos amarradas. Na formação de ministérios, não pode haver direito adquirido no governo anterior. Deu um chega pra lá no PMDB ao chamar seu vice para enquadrar a mania de grandeza do partido dele, não no governo dela. Foi uma lição pelo menos oportuna.


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