"Desfrute da viagem da vida. Você só tem uma oportunidade, tire dela o maior proveito."

domingo, 11 de abril de 2010

Gritar, perturbar

Artigo de Mary Zaidan

Os tropeços da candidata Dilma Rousseff em sua primeira semana solo parecem ter desnorteado as hostes governistas. A ex-ministra e o próprio presidente Lula espalharam minas explosivas por baixo de seus próprios pés em um campo onde, até pouco tempo, tudo parecia ser flores. E o trabalho para desarmá-las não será pequeno.

Enquanto o principal adversário, descolado em batalhas eleitorais, suspendeu sua agenda pública, preferindo distância dos holofotes até a festa de lançamento de sua pré-candidatura, a ex-ministra provocou estragos por onde passou. E o que era para ser uma estréia de farta e positiva exposição à mídia, com entrevistas a rádios populares, visita a aliados, à escola da infância e à bucólica mineiridade, virou um caos.

Dilma pode até não ter culpa. Seguiu à risca um script mal ajambrado de execução complexa até mesmo para os mais experientes. Seus marqueteiros, com pouca ou quase nenhuma intimidade com as filigranas da política, chegaram a expô-la como uma farsante ao programarem uma visita ao túmulo do ex-presidente Tancredo Neves.

Tudo deu errado nos primeiros dias de Dilma. Conseguiu multiplicar as insatisfações do aliado e já insatisfeito governador Sérgio Cabral ao posar sorridente ao lado de Anthony Garotinho, candidato do PR ao governo do Rio. E, para piorar, ateou fogo no ainda descosturado e fragilíssimo acordo mineiro ao inventar o “Dilmasia” ou “Anastadilma” - alusão a uma natimorta tabelinha com o candidato tucano Antônio Anastasia, patrocinado por Aécio Neves, o mais popular governador de todos os tempos.

Mas os deslizes dela viraram quase pecadinhos perto da insistência do presidente em, mais uma vez, desrespeitar tudo e todos na tentativa de elegê-la. E, ao contrário de sua pupila, a Lula, com sua vivência e tino político, não cabem desculpas e muito menos perdão.

Depois de receber duas multas por campanha antecipada, o mesmo Lula que parecia ter se rendido a algum juízo ao colocar a Presidência acima do embate eleitoral, não resistiu. No evento de apoio do PCdoB à candidatura da ex-ministra, talvez por ânimo excessivo com a platéia vibrante ou, quem sabe, por desânimo absoluto com a performance pífia de Dilma sem a sua tutela, atreveu-se muito além de qualquer limite. Voltou a infringir a lei e a desafiar a Justiça.

Não só reincidiu no desacato à legislação como foi mais longe. Quase em tom de ameaça, desatinou, garantindo que no ano que vem, quando estiver fora do Planalto, vai “gritar mais, perturbar mais”. Um figurino no mínimo impróprio para não dizer inconcebível para um ex-presidente.

É fato que a dinâmica da política sempre admite consertos, mas o comportamento de ambos, criador e criatura, começa a pesar nos ombros dos bombeiros de plantão, em especial, nos do PT. E o peso do fardo não pára de aumentar.

Se por um lado vale tudo para não perder o controle do Estado e os muitos milhares de cargos dos companheiros, por outro, o PT não só tem de desfazer os nós embaraçados por Dilma como engolir a predileção do chefe pelos aliados.

Não bastasse a aliança com gente como José Sarney, Renan Calheiros e Collor de Melo, que lhe tirou a carapuça e o obriga sempre a tortuosas explicações não convincentes em torno da governabilidade, o PT tem cada vez menos espaço. Em alguns estados suicida-se em nome dos desejos de Lula.

Nos maiores colégios eleitorais não tem ou não terá candidato próprio ou ainda digladia-se com o aliado PMDB, que mais parece o dono da festa.

Assim é em Minas, no Rio, na Bahia, no Rio Grande do Sul. E mesmo em São Paulo, berço esplêndido do petismo, o candidato próprio de última hora resistiu e só passou a existir porque Lula não teve êxito em convencer seu preferido Ciro Gomes a entrar na disputa. Também não conseguiu - nem mesmo negociando com Michel Temer a vaga de vice na chapa de Dilma -, atrair o PMDB de São Paulo, que há tempos se aliou ao adversário José Serra.

Lula, que há anos aderiu ao pragmatismo eleitoral, corre todo o tipo de risco. Faz o que não pode e o que não deve, e ainda rifa o seu próprio partido sem qualquer pudor.

Terá todos os louros se vencer. E tem a certeza de que, se derrotado for, o PT, combalido, não lhe cobrará a conta.

Irão juntos às ruas para gritar e perturbar.

Mary Zaidan é jornalista. Trabalhou nos jornais O Globo e O Estado de S. Paulo, em Brasília. Foi assessora de imprensa do governador Mario Covas em duas campanhas e ao longo de todo o seu período no Palácio dos Bandeirantes. Há cinco anos coordena o atendimento da área pública da agência 'Lu Fernandes Comunicação e Imprensa'.

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