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domingo, 25 de abril de 2010

'Não quero acabar com o Mercosul', diz Serra

Folha Online - Por CLAUDIA ANTUNES da Sucursal do Rio

O pré-candidato do PSDB à Presidência, José Serra, disse que não quer acabar com o Mercosul, mas flexibilizá-lo de forma "negociada com nossos parceiros" e revelou que, se eleito, pretende dar funções "mais executivas" à Camex (Câmara de Comércio Exterior). Abaixo, a íntegra da entrevista, feita por e-mail.

Folha - O senhor tem falado numa política comercial mais agressiva. Por quê?

José Serra - As exportações brasileiras cresceram muito nos últimos anos até 2008, como consequência do aumento de preços e da demanda por nossas commodities. Conquistamos imensos superavits comerciais. Mas agora estamos em outra fase. Os superavits encolheram e o deficit em conta corrente está crescendo com grande velocidade, até porque as importações dispararam, junto com as remessas das empresa estrangeiras ao exterior, devido ao dólar barato. Nosso deficit em matéria de produtos industriais tornou-se gigantesco: nesse item, exportamos proporcionalmente menos e importamos proporcionalmente muito mais. Minha preocupação é livrar o Brasil de um estrangulamento externo futuro e sustentar o crescimento do emprego.

Folha - Se eleito, pretende mudar a estrutura do comércio externo?

Serra - Creio que é indispensável fortalecer e agilizar a Camex, dando-lhe funções mais executivas e mais agilidade nas decisões de comércio exterior. O presidente da Camex, subordinado ao presidente da República, deve pilotar as delegações do comércio exterior. A Camex foi criada no governo FH, em 1995, por sugestão minha. Reúne representantes de quatro ministérios, além do Banco Central, que interferem no comércio exterior. Desde então teve um papel positivo, mas muito aquém do que hoje se necessita.

Folha - Há outras mudanças a fazer?

Serra - A área de Defesa Comercial do Brasil ainda é pouco atuante e mal equipada, face às necessidades. Tal situação não vem só do governo do Lula. A abertura comercial do começo dos anos noventa exigia a organização e o fortalecimento dessa área, como acontece, por exemplo, nos Estados Unidos, na Coreia, na China.. Mas isso não foi feito na medida exigida. Há grande demora no exame dos pedidos em casos de defesa comercial. O governo é falho no apoio ás empresas. Os processos de antidumping contra a China demoram muito mais do que em outros países que não a reconhecem como economia de mercado. Há pouco tempo, verificou-se que a China registrava exportações têxteis ao Brasil equivalentes a mais ou menos o dobro do que as importações brasileiras de têxteis chineses. Por quê? Porque entra muita importação têxtil sem registro, a fim de não pagar impostos. E compete com a produção brasileira, que paga. Os produtores brasileiros, que são tão ou mais eficientes que os chineses, sofrem com o câmbio e com a frágil defesa comercial do país.

Folha - O senhor disse que o Mercosul atrapalha a busca brasileira por novos mercados. O que propõe mudar no bloco?

Serra - O Mercosul deve ser flexibilizado, de modo a evitar que seja um obstáculo para políticas mais agressivas de acordos internacionais. Não se trata de acabar com o Mercosul, pelo contrário. Há duas instâncias de integração econômica. A primeira é o livre comércio entre os países que se associam - uma zona de livre comércio, a ser gradualmente implantada. A segunda, alcançada somente depois de décadas pela União Europeia, é a adoção de uma política comercial comum, ou seja, os países integrantes renunciam à sua soberania comercial, e fixam tarifas comuns de importações. Além do mais, só podem fazer acordos comerciais com terceiros se todos os membros concordarem. Tudo tem de ser feito em bloco.

Eu sempre achei irrealista fazer-se tudo isso em quatro anos, a partir de 1995 [quando começou a vigorar a tarifa externa comum]. Na época, o ministro de relações exteriores era o mesmo Celso Amorim, no governo do Itamar Franco. Ele sabe que eu divergia do acordo, por achá-lo irrealista. Defendia que, primeiro, o Mercosul se fortalecesse como zona de livre comércio, o que tomaria tempo. Só aí se deveria partir para a união alfandegária.

Nesse atropelo, o livre comércio não se consolidou e a união alfandegária nem se materializou totalmente, cheia de "perfurações" de tarifas. O Mercosul acabou sendo uma obra inconclusa, com todos os custos que isso envolve.

Folha - A reação argentina a sua declaração não foi positiva.

Serra - O que defendo é flexibilização do bloco, a fim de que nos concentremos mais no livre comércio. Claro que essa não seria uma decisão unilateral do Brasil. Teria de ser bem negociada com nossos parceiros do Mercosul.

Folha - Mas, mesmo negociando sozinho com outros, o Brasil terá que fazer concessões.

Serra - Há um dado que citei no meu discurso em Brasília: nos últimos oito anos foram feitos cem tratados de livre comércio entre diferentes países. O Brasil fez apenas um, assinado pelo Mercosul com Israel. É óbvio que o maior acesso a determinados mercados envolve concessões recíprocas. Sempre é assim. Por isso, cada caso é um caso e só devemos assinar tratados que nos tragam vantagens líquidas.

Outra questão importante é a da infraestrutura, que, hoje, aumenta os custos das nossas exportações. O transporte da soja de Mato Grosso ao porto de Paranaguá custa algo parecido ao transporte desse porto até a China. Faltam estradas melhores, trens, investimentos em armazéns, portos e aeroportos.

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