Comentário de Ricardo Noblat
Ninguém duvida que o Brasil possa mais, como disse José Serra ao se lançar candidato do PSDB a presidente da República. A dúvida é se Serra desta vez poderá mais.
Dos que aspiram suceder Lula, ele é de longe o mais preparado para governar o país. Mas isso não importa muito. Serra detinha tal condição em 2002. E, no entanto, foi derrotado.
“Esta será uma caminhada longa e difícil”, antecipou Serra diante de seis mil entusiasmados correligionários reunidos no último sábado em um centro de convenções de Brasília.
A frase nada tem de original. Está em muitos discursos que marcaram o início de campanhas. Talvez com uma diferença: Serra valeu-se dela porque está perfeitamente consciente das dificuldades que enfrentará para se eleger.
Examinemos a maior das dificuldades: o significado da candidatura dele.
Os manuais de ciência política ensinam que os eleitores, aqui e em toda parte, costumam votar de preferência no candidato que represente a continuidade ou a mudança.
Em algumas circunstâncias há espaço para uma terceira via. Mas esse não será o caso em outubro próximo. Não foi o caso em nenhuma eleição presidencial de 1989 para cá.
Dilma Rousseff é a candidata da continuidade. Serra e Marina Silva, do PV, da mudança.
Em 1989, o eleitor pôde escolher entre 23 candidatos que prometiam varrer do mapa a desastrosa administração do então presidente José Sarney.
Aquela foi uma eleição sem candidato de continuidade. O PMDB estava no governo. Mas até seu candidato, o deputado Ulysses Guimarães, fazia oposição a Sarney.
O candidato da situação é ungido por quem pode fazê-lo – os que governam no momento. Sarney não teve candidato em 1989. Lula tem. E se deu ao luxo de escolhê-lo sem ouvir os que governam junto com ele.
Do alto dos seus quase 80% de popularidade, obrigou-os a engolir Dilma. Nem mesmo o PT iria com ela se pudesse dizer não a Lula. Ou se tivesse coragem para dizer não a Lula.
Em 2002, Serra sabia que estava diante de “uma caminhada longa e difícil”.
O governo do presidente Fernando Henrique Cardoso chegou às portas das eleições com algo como 30% de aprovação. Menos de 10% dos brasileiros se diziam dispostos a votar em candidatos que mantivessem tudo como estava. Cerca de 40% diziam preferir candidatos capazes de mudar tudo.
Mesmo assim Serra batalhou para ser candidato de um governo impopular do qual fora ministro do Planejamento e da Saúde. Por que?
Sempre fora contra a política econômica do governo. Estava convencido de que somente ele poderia mudá-la. Não via competência para isso em Ciro Gomes. Via no PT. Mas achava que Lula, uma vez eleito, não teria apoio político para mudar. Como não teve. E nem ousou buscar.
O medo do PT e de Lula abriria caminho para a passagem de Serra. Ocorre que o medo se evaporou.
Não foi a esperança que o venceu. Foi a Carta aos Brasileiros, onde Lula se comprometia a conservar os fundamentos da política econômica. Banqueiros e empresários aflitos sossegaram. E foi também a feliz campanha do publicitário Duda Mendonça, o inventor de “Lulinha paz e amor”.
Pesquisas de intenção de voto confirmam que uma larga maioria de brasileiros quer a continuidade do governo de Lula. Como Serra imagina vencer?
Apresentando-se como o dono de melhor currículo para continuar o que Lula fez e fazer mais?
Confronto de currículos só empolga o eleitor quando ele quer mudar. A peleja entre a continuidade e a mudança desobriga as pessoas de pensarem muito a respeito.
Serra sabe disso. Então por que é candidato?
Ora, porque às vezes você não tem escolha.
Há mais de um ano e meio que ele lidera as pesquisas de intenção de voto. Governou o maior Estado do país. Era o nome natural do PSDB e de outros partidos para suceder Lula.
De resto, presidência da República é destino, segundo Antonio Carlos Magalhães. E Serra acredita que o impossível é só aquilo que ainda não foi feito.
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